A tragédia dos Sírios, infelizmente, não começou esta semana, nem este mês, nem tão pouco este ano, a guerra já dura há cinco longos anos… infelizmente parece que foi o corpo do pequenino Aylan que trouxe luz à escuridão das consciências Europeias. Temos vivido como se não tivéssemos responsabilidades (inclusive nas guerras ou na venda de armas). Temos vivido naquilo que o Papa Francisco designou de “globalização da indiferença”. Quando realizou a sua primeira deslocação oficial fora do Vaticano, escolheu Lampedusa, transformando essa viagem num enorme simbolismo, com o intuito de despertar consciências e contrariar a indiferença mundial – rezou pelos mortos, pediu desculpas àqueles que sobreviveram, agradeceu aos habitantes de Lampedusa e transmitiu uma mensagem ao mundo: “Perdemos o sentido de responsabilidade fraterna”.
Já António Guterres, Alto Comissário para os Refugiados, tantas vezes falou do sofrimento Sírio, enumerando as consequências do nosso alheamento e alertando para a tragédia que estas pessoas vivem, classificando-a como caótica e desumana. Hoje, chama-nos atenção para a situação tornar-se ainda mais trágica, instável e insegura devido à diminuição de recursos financeiros das agências humanitárias. Relatou e relata o caminho que a Europa deveria tomar, assim com a urgência de respostas.
A Europa não respondeu, a Europa ficou inerte como se o problema não fosse seu. Hoje a Europa vai respondendo (a Alemanha assumiu uma posição, lidera-a e começamos a ver pequenos avanços). Mas a resposta da Europa foi e vai sendo lenta, denunciando uma atitude desumana e essa atitude deverá envergonha-nos (não nos devemos esquecer de como, por exemplo, França ou Espanha lidaram e lidam com este problema. Ou Inglaterra, pela voz do seu primeiro-ministro David Cameron, deixou de chamar a estas pessoas de “praga” para aceitar receber algumas delas, mas sem grandes entusiasmos solidários). Hoje temos uma Europa fragmentada, com valores morais, éticos, humanistas que se encontram em pólos abissais, que nos devem repugnar e assustar. Temos uma Europa de Leste que não tem dignificado o sentido de pertença a uma União Europeia humanista. Temos uma Europa de Leste que nos faz lembrar outros tempos que a memória não nos deve levar a esquecer, para nunca mais acontecer.
Devemos olhar e ver que a história de vida do pequenino Aylan e da sua família não se escreve no singular, foi e é replicada milhares de vezes.
Devemos olhar e ver o que se passa à nossa volta, perceber que este não é um problema que se encerra com a Síria e com as pessoas que de lá fogem. É um problema maior, mais complexo, sem dúvida político, e que deverá desencadear em nós a mesma sensibilidade ao olharmos para os dramas dos iraquianos, afegãos, paquistaneses, iemenitas, palestinianos, eritreus, sudaneses, somalianos, nigerianos, entre outros países africanos.
Devemos olhar e ver a realidade, compreender que estas pessoas que fogem das guerras, perseguições políticas, ideológicas ou religiosas, que fogem da fome e da miséria e que tentam entrar na Europa para pedirem estatuto de refugiados, deixam para trás outras tantas pessoas que não têm dinheiro para pagar aos traficantes. As pessoas que chegam à Europa são uma minoria.
Devemos olhar e ver a quantidade de refugiados que se encontram na Jordânia ou no Líbano em condições miseráveis, atrozes e desumanas, denunciando aquilo que António Guterres classifica como um fracasso diplomático na resolução na guerra na Síria. É um fracasso mundial.
Hoje a Europa terá que receber estas pessoas que fogem da morte (não é a solução, é uma resposta urgente, necessária e humana). Mas não vai ser capaz de acolher todos aqueles que fogem. A solução encontra-se numa posição política séria e comprometida. A guerra na Síria terá de acabar (é o que estas pessoas mais desejam e apelam).
Hoje vivemos uma urgência humanitária, espera-se que a comoção vivida com a morte do pequenino Aylan e da tragédia da sua família, não fique por uma fugaz comoção virtual, encerrada nas redes sociais. É necessário mais. A complexidade do problema também nos deverá obrigar a um questionamento e a informar do que se passa no mundo. Deverá fazer-nos reflectir sobre a consistência dos pilares em que assenta a solidariedade dos estados, bem como os interesses comuns. O que é que significa fazer parte da ONU?
A complexidade deste tema encerra múltiplas variáveis, politicas, ideológicas, religiosas, étnicas e económicas que obrigam a uma intervenção responsável, consistente e ética. Mas porque estamos a falar de verdadeiras tragédias humanas, que comprometem o futuro daqueles que a vivem na primeira pessoa, assim como o nosso futuro, é necessário urgência e humanização politica na acção. Não nos deveremos esquecer que os outros somos nós, assim como deveríamos ter maior consciência que a sorte de cada um é determinada desde logo pelo sítio onde se nasce.
(Andreia Lameiras, Setembro 2015)